quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

“Conhece-te a ti mesmo”

“Conhece-te a ti mesmo”

- Sou uma das poucas pessoas que adquiriu o livro O Seu Bebé Tem Uma Cardiopatia do Dr. Antonio Macedo e do Dr. Manuel Ferreira, publicado em 1996 com uma tiragem de 3000 exemplares..

Não me canso de o reler. Principalmente a apresentação dos casos reais. Vou citar algo que acabei de ler e me tocou profundamente. Revejo-me completamente na Maria. A única diferença é que não sou médica, nunca gostei da área da saúde nem a bem da verdade tinha grande interesse por ela. Tudo mudou com a gravidez. Este ano foi mesmo o ano mais marcante para mim desde talvez o ano em que nasci. Apetecia-me comentar cada frase. Cada palavra. Mas há sentimentos muito muito difíceis de explicar. Aqui fica:

"Maria, Uma médica.

Maria é médica e está grávida. Chegou muito nervosa e inquieta, tentando disfarçar, adquirindo um ar profissional. As suas mãos denunciaram-na, ainda mais quando me cumprimentou.

Telefonara-me na véspera para marcar o exame. Sabia que o seu filho tinha uma cardiopatia, tetralogia de Fallot, mas gostava de ouvir uma segunda opinião.

Maria trabalhava num hospital de província no norte do país. Estava em Lisboa cumprindo uma valência na sua especialidade. Engravidou e viu-se confrontada com o primeiro filho com uma malformação grave.

A angústia e o desespero invadiram-na completamente.

Um vazio preenchia-lhe as ideias e sentia-se flutuar numa inércia desesperante. Voltar ao dia de ontem, não conseguia.

Como poderia agora lutar, longe de tudo o que sentia seu? A mãe, as irmãs, o marido, sentia-os mudos e distantes. As casas em pedra negra, as serras, o rio, tudo o que se identificava consigo e que contribuía para a sua estabilidade emocional e segurança, nada ali estava.

Ir para o hospital tornara-se um martírio nestes últimos dias. Doente, deixou de ser capaz de tratar dos outros.

Fora confrontada com o aborto, e isto tocou no mais íntimo das suas raízes. Viera duma família grande, patriacal. A educação religiosa que teve, essa já se apagara um pouco. Mas há sempre uma infância que nos marca ns situações mais críticas...

Abortar...

Martelavam-se-lhe as fontes, e cada vez se tornava mais viva esta palavra no seu espírito.

Iniciámos o exame. Era na realidade uma tetralogia de Fallot clássica, de anatomia favorável para uma boa correcção cirúrgica. Disse isto à mãe e entretanto chamei o Manuel Ferreira. Pedi-lhe para comentar a gravação na presença da mãe. Ouvimos o que ele tinha a dizer, que coincidiu com a minha opinião. Antevira isto. O caso era claro e a criança dava boas imagens.

Ficou assim reforçado o diagnóstico e principalmente o prognóstico.

Os olhos de Maria adquiriram outra expressão. De castanhos mortiços passaram a doces. As perguntas tinham a mesma carga ansiosa, mas sentia-se que necessitava prementemente de beber as respostas. Talvez fossem outras as respostas.

- E o tracto de saída do ventrículo direito não vai ficar muito mais estreito durante a gravidez?

- Não sabemos, respondi. Só o tempo o dirá. Neste momento a morfologia é muito favorável e existe um bom fluxo através da artéria pulmonar.

As respostas saíam-me curtas e precisas. Tentei transmitir segurança.

- E se fechar ou apertar muito, o prognóstico não vai ser pior?

- Se isso acontecer vai ter influência na data e no tipo de operação. Se o tracto de saída ficar muito apertado, pode o seu filho ter que fazer uma operação paliativa, tipo "shunt" artério-pulmonar nos primeiros meses. Mais tarde fará a correcção definitiva, entre o primeiro e o segundo ano de vida, ou mesmo antes.

- Mas se tiver que fazer duas operações não é pior?

- O risco da primeira cirurgia, actualmente no nosso Centro, é praticamente nulo. Mesmo a segunda cirurgia é feita com um risco muito baixo. Os resultados são bons.

(...)

- E a qualidade de vida qual será?

- Uma vez ultrapassada a cirurgia, a qualidade de vida é normal. São crianças que brincam como as outras e que se tornam adultos normais.

Não, nesta não acreditou, era demais!

- Mas não foi isso que me disseram!

(...)

Maria tem voltado. Tem vindo com o marido.

Está quase no fim da gravidez e está muito mais calma com o seu filho doente, que aceitou e irá ajudar a tratar. Vai ter que fazer alguns sacrifícios como se apercebeu já, mas é bom investir nos filhos, pensa.

Deus queira que corra tudo mesmo bem, penso eu."

Bom e com esta frase me despeço quase lava em lágrimas.

Beijinhos a todos

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